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Era uma manhã de carnaval e a cidade estava em festa, mas no coração da folia, uma garota de cabelos longos e negros, com um pouco mais que 21 anos, era avistada em uma daquelas janelas que beiravam o mar, sentada defronte ao computador esperava algo de bom acontecer. As ruas lotadas de foliões, alegres e cantantes e a sua rede de amigos "off line". Melancólica, por causa de um desamor ela não queria colocar os pés para fora do quarto.
Do outro lado do mundo, um garoto também era avistado em sua janela que beirava o mar, cabelos lisos que caiam sobre o rosto e o olhar firme, incansável, mirava o seu computador na esperança de poder conversar com alguém, de ter uma companhia naquela noite fria. Em uma dessas salas de bate papo eles se encontraram. Era fácil, já que no Carnaval os jovens costumam sair de casa e esquecem da Internet. E foi assim que tudo começou...
- Olá! É meio desconcertante conhecer alguém por aqui. Podemos ser quem quisermos, mas infelizmente ou felizmente não consigo criar um mundo em que não pertenço, um mundo sem realidades. Bom, me chamo Akira e você?
- Olá! Concordo com você, não sei nem como me portar por aqui, primeira vez que visito tal site. Estou tão sozinha nesta manhã de carnaval que busquei companhias "on line". Chega a ser o cumulo do vazio que a tecnologia nos proporciona. Bom, me chamo Alice e moro em Salvador.
- Caramba! Estamos bem distante. Moro em Sendai, no Japão. Bonito nome, és tão curiosa e aventureira quanto a história que ouvia de minha mãe ao adormecer, Srta. Alice no País das Maravilhas?
Aquela conversa que iniciou timidamente havia tomado proporções maiores ao passar de algumas horas. Infelizmente, ele precisava se despedir, já passara de 00h00 e enquanto ele ia se deitar, Alice ia almoçar com a família e o pensamento em Akira. Nos dias seguintes, conversavam por horas até ele adormecer. Falavam da família, dos desejos, dos sonhos, da cultura. Falavam de tudo um pouco, era como se conhecessem a muito tempo. Todos os dias no mesmo horário eles estavam a olhar para o computador na esperança de um chamar o outro.
O carnaval havia acabado, a rotina de Alice começara, ela estudava belas artes, fazia balé e tocava violino. Ele era estudante de Engenharia na Universidade de Tohoku e tocava piano nas horas vagas, disciplinado e dedicado como todo descendente de japonês, havia muito tempo que ele voltara com a família para o Japão. A relação dos dois aumentava e um amor incondicional nascia, Alice cantava e bailava em seu apartamento e sua mãe estranhava tal atitude. Ela estava diferente. Como uma pessoa que ela nunca viu poderia ter tanta influência em seu comportamento?
- Oi meu pequeno "sensei" pianista! Como foi o seu dia hoje? Tenho tanto para lhe contar. Terei minha primeira apresentação de balé nesta sexta-feira, quero conversar com você quando chegar, contar como foi e finalmente trocarmos fotos. Quero que me veja bailando como uma bela borboleta. Participarei também de um teste para compor a orquestra de violino, estou tão nervosa, não sei se vou conseguir. É tão bom poder compartilhar com você. Já falei com minha mãe, pedi de presente uma viagem ao Japão, quero conhecer sua cultura, quero que me leve para os lugares lindos de que tanto fala.
- Calma pequena Alice! Está eufórica hoje. Queria muito estar aí para te ver deslizar no palco, brilhar como uma estrela. Não se preocupe, estarei lhe aguardando para saber as novidades.
Estou muito feliz em poder te fazer tão bem e será um imenso prazer recebe-la no Japão. Meu pai é brasileiro e por incrível que possa parecer, ele já trabalhou um tempo na sua cidade (risos). Agora preciso ir, sei que quando chegar será bem tarde aí no Brasil, se você aguentar estarei por aqui conectado. Um beijo na ponta de seu nariz.
Akira nunca havia se despedido daquela forma, Alice desligou o computador bem saltitante e saiu para a academia de balé, pois no dia seguinte era o grande dia.
Era 10 de Março de 2011, Alice se apresentava belíssima no palco do Teatro Castro Alves, em uma apresentação solo. Ao terminar, a unica coisa que desejava era voltar correndo para casa, mas seus pais queriam comemorar, sairam todos, foram ao melhor restaurante japonês e comemoraram como se Akira tivesse com eles.
Chegaram em casa quase de madrugada. Ela tomou um banho frio para despertar e poder encontrar com seu amado, no Japão já era dia e ela não queria perder um só minuto de sua euforia.
Ligou o computador e chamou Akira:
- Cheguei! cheguei!
- Bom dia Srta Alice eufórica! (risos)
- Tenho tanto para dizer
- Que bom! Como foi a sua apresentação? Pode contar. Hoje não fui trabalhar, não estou me sentindo bem. Sensação estranha. Por favor, conte-me tudo.
Alice começou a contar nos mínimos detalhes sem ao menos deixar ele responder, via somente uma "carinha" sorrindo, uns três pontinhos para que ela continuasse e a conversa seguiu, até que do nada Akira havia ficado "off line", não havia se despedido. O que havia acontecido?
Ela parou de falar, o cursor na tela piscando hipnotizava o seu olhar e um aperto no peito lhe incomodava muito. A mesma pergunta ecoava em sua cabeça, o que havia acontecido?
Triste, Alice partiu para a cama e foi tentar dormir, quando amanheceu, como de costume, ligou a Tv e foi tomar café. Um grito rompeu o silêncio da casa, seu desespero era notório, sua mãe tentava entender o que havia acontecido e Alice não conseguia ao menos respirar, só apontava para a Tv, foi quando sua mãe virou e viu que um Tsunami havia destruído Sendai, no Japão, cidade em que Akira morava. Quando ela voltou seus olhos para sua filha, correu. Alice havia desmaiado e teve que ser hospitalizada, pela queda Alice teve que ficar em observação, sua mãe voltou em casa para pegar suas roupas e no quarto, o computador ainda estava ligado, ao se aproximar havia na tela um cursor a piscar, a foto de Akira e as ultimas palavras de Alice na madrugada: "Ainda espero sua resposta" ...
** Edição musical do Bloínquês: "Ainda espero a sua resposta" - (Nx Zero - Onde Estiver)
"2º lugar na 61ª Edição Musical Bloínquês"