Parte 1 - A origem
Cercada de crenças, medos e incertezas, a morte tem um peso significativo, seja sobre a vida que levamos, seja na forma como cada um consegue conviver com ela. No Tarot, ela é um Arcano Maior, a décima terceira carta, e traz temor para quem a tira. Seu significado representa transformação, mas nem sempre transformar é ruim. Então, me questiono: quem determina se é bom ou ruim? O que é bom para mim é bom para você também?
Lembro-me da minha primeira perda significativa. Todos aflitos, ouvíamos rumores pelos cantos, sem entender muito bem o que estava acontecendo. Eu era criança e o assunto era delicado: minha tia havia desaparecido na véspera do aniversário da filha. Como era possível? Uma mãe amorosa simplesmente sumir?
Atrelado à conturbada relação com o marido, ao processo de separação e ao suposto envolvimento dele com agiotas, até hoje não sei bem o que aconteceu. Sempre foi um assunto doloroso. Meu pai não falava sobre isso e carregava muito ódio. Lembro que estava no sofá, já fazia mais de 24 horas sem notícias. Era noite, ventava muito. A jaqueira em frente à minha casa parecia assustadora. Do lado de fora, uma penumbra; dentro, a sala escura. Comecei a chorar, sentia angústia. Naquele momento, em prantos, pressentia que não a encontrariam com vida. Era como se o vento trouxesse uma voz aos meus ouvidos, suplicando serenidade e aceitação pelo que estava por vir. A primeira notícia foi de que haviam encontrado o carro dela em um lugar ermo. Depois, a encontraram. Com sinais de violência. Haviam enforcado uma mulher linda, meiga. Lembro-me de como sua filha se parecia com ela e do quanto diziam que eu a lembrava. Foi meu primeiro contato com a morte. Algo trágico. Nada do que eu havia aprendido sobre a lei natural da vida.
As perdas continuam ao longo da nossa jornada. Pelas estradas dos anos, sejam pets, familiares ou amigos, em algum momento aqueles que amamos partirão. Às vezes, com um adeus e um até breve. Outras, com um último olhar. E, algumas vezes, sem nenhuma despedida.
Perdi meu companheiro de longas jornadas, Kiko. Um cocker spaniel branco com grandes manchas pretas, orelhas escuras e um docinho de cachorro. Odiava todos que não moravam lá em casa (risos). Depois, os filhotes de poodle micro toy. Meu amor, Lolo, um chihuahua que tinha medo de tudo e de todos. E, assim, muitas despedidas.
Meu avô João, de lindos olhos azuis, que xingava por minuto, amava rádio de pilha para ouvir os jogos do Bahia, quebra-cabeça de mais de mil peças, jogar buraco e comer farinha com banana (risos). Minha avó Nair, de sorriso largo e carinho imenso. Uma mulher sofrida pela vida, mas leve no que a vida a tornou. Bolinho de baunilha, suco de laranja, cafezinho doce e um dengo sem fim. Apesar de todas as minhas idas à casa dela, eu sempre passava mal de enxaqueca e tristeza. Ainda criança, um medo que não quero revelar. Alguns anos depois, a recordação dela acamada trazia uma dor que despedaçava meu peito. Já não falava, estava magra, não se movimentava. Seu olhar era triste e eu acariciava seus cabelos ralos. Essa visão nunca saiu da minha mente.
Então, fui crescendo e fui entristecendo. Uma nuvem negra pairava sobre mim. Não aceitava a felicidade. Associava momentos felizes ao prenúncio de algo ruim que estava por vir. A morte acompanhava minha vida desde que nasci, já que meu irmão tinha um problema congênito no coração e participávamos ativamente de seus cuidados. Os médicos lhe davam prazos de vida, mas ele os ultrapassava. Eu me responsabilizava por estar sempre perto dele, pois acreditava que assim o protegeria. Mas, infelizmente, não consegui. Ele partiu no auge da sua juventude, com sede de viver, aos 25 anos.
Desta vez, não aguentei a pressão. Nunca consegui pular daquela passarela ou deixar uma crise de asma me sufocar por completo. Pensava na minha mãe. Não conseguiria trazer mais tristeza para ela, que, no auge do seu luto, segurou todos nós. Eu sabia que ela vivia porque ainda restava eu. Assim, me distanciava. Não aceitava. Impedia que ela me acessasse a cada dia que passava. Vivia um ciclo de autopunição e culpa. Endureci. Neguei a existência de Deus. Neguei a fé. Vivia porque não tinha coragem de morrer. Buscava adrenalina diária. Vivenciei momentos dos quais não me orgulho. Meu silêncio era ensurdecedor, pois as vozes na minha cabeça não se calavam. Uma dor que apertava o peito e me deixava sem ar.